Desenvolvimento de Maus Hábitos Posturais na infância

©2005 The Society of Teachers of the Alexander Technique, London

Em diversos países, crianças em idade escolar, vêem apresentando um aumento considerável de dores nas costas a ponto de tal situação ser tida como epidêmica, mais de 50% das crianças, à partir de 11 anos, tem ou já tiveram dores nas costas.

Os fatores que levam a este aumento são vários e cumulativos ao longo dos anos, fazendo com que 80% da população adulta chegue a ser afetada por dores nas costas.

É muito fácil observar uma criança de 4 anos de idade com uma bela postura associada a agilidade e facilidade de movimento, elas estão o tempo todo mudando o seu movimento de acordo com o seu humor. Elas não precisam ficar imobilizadas em um lugar pré-determinado por um tempo definido.

Em contraste, quando a maioria das crianças deixa a escola, a sua espontaneidade desapareceu, seus movimentos e atenção são restritos e enraizados em hábitos posturais não conscientes.

O que leva a criança, ao longo dos anos, a desenvolver maus hábitos que produzem um quadro crônico de dores nas costas?

Os especialistas enumeram vários fatores que contribuem para a formação destes maus hábitos posturais. O primeiro deles é a imitação. O processo de aprendizagem na infância se dá através da observação das pessoas à sua volta, dos hábitos posturais dos adultos e das suas reações físicas e mentais às situações do cotidiano1.

Outro fator pode ser encontrado no medo, medo como mecanismo de proteção físico e mental que a criança aciona ao longo dos anos para lidar com as situações estressantes, incertezas e ameaça de fracassar.

Outra causa dos maus hábitos de postura e movimento se encontra nas salas de aula: inadequação do mobiliário escolar à criança, longos períodos sentados em sala de aula para cumprir a grade escolar, peso das bolsas e mochilas com material didático2, introdução do uso de computadores3, entre outros.

Todos esses fatores geram o desenvolvimento de hábitos posturais prejudiciais que levam a desorganização do equilíbrio e coordenação da criança, produzindo tensão muscular em excesso, ombros para frente ou enrijecidos, costas arqueadas, dificuldade de atenção. Essa interferência na coordenação tende a afetar a criança em todos os níveis de sua vida.

©2005 The Society of Teachers of the Alexander Technique, London

Como podemos reverter este quadro?

É neste momento que a Técnica Alexander4 apresenta uma grande contribuição para esta questão tão atual e pungente. À partir dos princípios da Técnica Alexander esta questão não é considerada apenas do ponto de vista externo, como o da influência do mobiliário inadequado nas escolas, das mochilas muito pesadas e mesmo dos padrões psico-físicos familiares, mas do ponto de vista do sujeito, de como a criança pode ser ajudada a prevenir o desenvolvimento e a fixação de hábitos posturais nocivos. A Técnica Alexander trabalha com a criança em atividade, como ela está se usando no seu dia-a-dia, como ela se senta, se movimenta, como tenta alcançar os seus fins, como a sua atenção se encontra engajada e coordenada com o seu corpo, o seu desejo e seus objetivos.

O trabalho da Técnica Alexander é um trabalho de educação progressivo e constante, onde aprendemos a prevenir os hábitos inconscientes adquiridos e a desenvolver bons hábitos posturais conscientes em atividade. Ela dá novas ferramentas à criança para pensar e se movimentar com maior liberdade, aprimorando a sua percepção de si mesma e a sua coordenação psico-física.

Lembrando as palavras do filósofo e educador americano John Dewey sobre o método desenvolvido por F.M. Alexander:
"O método não é um remédio, é uma educação construtiva. Ele se aplica mais adequadamente às crianças, à geração em fase de crescimento, de modo que elas possam vir a possuir o quanto antes na vida um padrão correto de apreciação sensorial e autojulgamento. Quando uma parcela razoável de uma nova geração tornar-se adequadamente coordenada, teremos certeza, pela primeira vez, de que homens e mulheres no futuro poderão postar-se sobre seus próprios pés, dotados de um equilíbrio físico satisfatório, para enfrentar com prontidão, confiança e felicidade, ao invés de medo, confusão e descontentamento, os golpes e contingências do meio externo".5

Para olharmos para esta questão como sociedade precisamos de um esforço conjunto e coordenado entre família, escola e profissionais afins (profissionais em ergonomia, professores da Técnica Alexander, pedagogos, professores de educação física, entre outros). É muito importante pensarmos, como civilização, qual o legado que estamos deixando para os nossos filhos.

© Valeria Campos


1 www.alexandertechnique.com/articlres/develop. "How Children Develop Harmful Habits of Posture and Movement", Robert Rickover
2 www.spine-health.com
3 Aumento em 60% de queixas de crianças de dores nas costas, na nuca, e LER relacionadas à introdução de computadores nas escolas: www.alexandertechniqueconsultantas.com
4 Para maiores informações sobre a Técnica Alexander consultar o site www.tecnicadealexander.com
5 Alexander, F. M. "Ressurreição do Corpo". Ed. Martins Fontes, 1993, pg.190


A Técnica Alexander na Dança

"A Técnica Alexander auxilia a integrar cada bailarino e também todos os sistemas a que ele já foi exposto." Trisha Brown


A Técnica Alexander é um método de reeducação prático e simples e não deve ser identificado com técnicas de relaxamento, massagem ou expressão corporal. Esse método consiste em observar os hábitos de tensão e interferência que vão sendo automatizados com o tempo e, gradualmente, aprender a preveni-los. É uma prática que resulta em um melhor funcionamento dos reflexos naturais do organismo, criando condições ao aluno de responder aos estímulos diários com mais inteligência e liberdade de escolha. (Jones 1976)

O intuito das aulas da Técnica Alexander em um curso de dança, é ensinar princípios que são fundamentais para prevenir determinados problemas, e que podem mudar o olhar que os dançarinos têm sobre si mesmos e sua dança. Neste processo de educação, certos princípios - uso e funcionamento, meios pelos quais, controle primordial, apreciação sensorial imprecisa, inibição e direção - norteiam o trabalho. São princípios únicos, traçados por Alexander, que estão sendo postos em prática há mais de 100 anos.

Apreciação Sensorial Imprecisa

Uma das observações feitas por Alexander em sua pesquisa foi a de que a percepção que tinha sobre si mesmo não era precisa. Os mecanismos sensoriais que normalmente são o guia para executar qualquer atividade não funcionavam com precisão. Alexander identificou que a repetição contínua de padrões de descoordenação no uso do corpo leva a uma apreciação sensorial imprecisa. (Tinbergen 1974)

A ausência de precisão cinestésica é um dos grandes problemas da tentativa de mudar padrões de movimento. Tende-se a andar em círculos em processos de aprendizagem, pois, quando alguma dificuldade surge, a tendência é a de se esforçar ainda mais na mesma direção. Como resume MacDonald (1987): "o que normalmente acontece é que apenas fazemos a mesma coisa novamente só que com uma tensão extra. Em outras palavras fazemos como antes, apenas pior." Por exemplo, quando um professor pede ao aluno para executar um movimento de determinada maneira, a única referência que o aluno usa é sua sensação do que seria a maneira correta de fazer tal movimento. A partir do momento que esta sensação do que é correto possa estar falha, o aluno tem grandes chances de estar executando o movimento de maneira prejudicial.

Meios e Fins

Outra observação feita por Alexander foi sobre o padrão vigente que começa a se estruturar desde a infância: o de se pensar exclusivamente no resultado a ser alcançado. Isso não nos faz cultivar a idéia do processo que se deve seguir para alcançar os objetivos determinados. Grande parte dos problemas e acidentes que acontecem com os dançarinos está relacionado com a ausência de observação e atenção ao momento presente. É fundamental que os estudantes aprendam a manter o pensamento conectado nos meios adequados para que o movimento aconteça sem bloqueios. Isto pode parecer simples, mas saber a hora de parar, de desativar padrões de sobrecarga para permitir que os reflexos naturais de postura e equilíbrio possam ser ativados é uma das coisas mais difíceis de se aprender.

Controle Primordial

Uma descoberta fundamental de Alexander foi identificar a relação de equilíbrio da cabeça com a coluna vertebral, explicada de maneira bastante clara pelo escritor Aldous Huxley (1945): "...existe no homem, como em todos os vertebrados, um controle primordial que condiciona o uso adequado do organismo como um todo. Quando a cabeça está em relação apropriada com o pescoço, e o pescoço está em relação apropriada com o tronco, então ( e aqui é uma questão de puro fato empírico) todo o organismo psico-físico está funcionando no melhor de sua capacidade natural." Alexander chamou esta organização de Controle Primordial, pois qualquer desequilíbrio na relação da cabeça com pescoço e com o torso descontrolava o uso das partes do corpo. Segundo Alexander (1995): "A totalidade do organismo é responsável por problemas específicos."

A cabeça equilibrada em cima da coluna vertebral, ativa o funcionamento dos reflexos naturais de postura e equilíbrio. A partir deste princípio tira-se o foco da idéia de certo e errado. Estes mecanismos são inatos, a ação desejada é permitir que estes se manifestem sem bloqueio ou interferência. Quanto mais os alunos exercitam esta experiência em sala de aula mais claro fica para eles desfazer qualquer tipo de interferência que possa atrapalhar esta organização natural.

Inibição Neuromuscular e Direção Consciente

Alexander desenvolveu através de sua experiência direta dois princípios bastante singulares em seu trabalho, chamados de Inibição e Direção. Ele trabalhou na frente de espelhos para comprovar como estes princípios podiam influenciar o uso de seu corpo e pensamento de uma maneira nova.

O princípio da Inibição consiste na não ativação de mensagens que o cérebro envia para o corpo. A cada estímulo do cotidiano há uma resposta, já gravada pelo cérebro, que é enviada aos músculos através do sistema nervoso. A prática da idéia da Inibição seria a possibilidade de, ao estímulo de levantar um braço ou uma perna, se tenha oportunidade de não responder a este estímulo mecanicamente, dando condições de uma nova possibilidade de resposta.

O princípio da Direção é ter uma orientação consciente sobre o caminho de responder a estes estímulos. Não como um padrão ou postura certa mas com uma clareza mental sobre o que se deseja. Nas palavras de Alexander (1995): "Não existe tal coisa como posição correta mas sim direção correta".

Curso de Dança

Desde 2001 o Departamento de Dança da UniverCidade, no Rio de Janeiro, oferece aulas da Técnica Alexander no curso de graduação. Alguns alunos que já tinham tido contato com este trabalho fora da universidade viram a necessidade desta prática no estudo da dança e requisitaram a inclusão da Técnica Alexander no curso. As turmas são de níveis variados. As aulas acontecem duas vezes na semana com 1h e 40mim de duração. O desafio foi transformar um trabalho basicamente individual em uma aula em grupo, pois o ensino da Técnica Alexander exige uma atenção individualizada com cada aluno por parte do professor.

A idéia do corpo e mente como coisas distintas nos leva a separar as experiências em sala de aula. A intenção no curso é que os alunos de dança experimentem integrar ação e pensamento. A concepção de unidade psico-física pode ser de grande valia para o dançarino. O ser humano como estrutura integrada onde razão , emoção e físico caminham juntos fazendo com que o fluxo de energia flua sem bloqueios é um princípio que o bailarino pode assimilar em sua dança.

Na aula, procura-se despertar a atenção sobre o momento que precede o movimento, como corpo e mente se organizam para executar uma tarefa. Existe uma série de reações psico-físicas entre estímulo e resposta que normalmente são inconscientes e que podem limitar a performance do dançarino, pois as respostas automatizadas interferem no fluxo de natural do movimento levando a uma sobrecarga de trabalho. O corpo não estando livre não permitirá um movimento livre. Isto explica porque é tão difundida a idéia de que é necessário um esforço muscular excessivo para se ter um bom resultado.

A aula se divide em duas partes, na primeira parte os alunos são trabalhados individualmente. O professor, com um toque suave, usa suas mãos para dar feedback ao aluno sobre como ele está usando a si próprio naquele momento, desativando padrões de mau uso e estimulando os mecanismos de coordenação. Na segunda parte da aula fazemos um trabalho em grupo onde estimulamos os alunos a observar e identificar o que realmente acontece no momento da ação. Como ao longo do semestre vamos criando um ambiente tranqüilo nas aulas, sem medo, competição ou preocupação com o erro, os alunos ficam mais encorajados a se expor através de seqüências de movimentos de dança na frente dos colegas. Começamos a treinar o olhar para o que realmente está acontecendo por trás do movimento, o que está acontecendo entre o estímulo e a resposta, qual sua direção, como se está interferindo nos mecanismos de equilíbrio e coordenação. Atividades cotidianas como andar, sentar e levantar de uma cadeira, ficar de pé e falar são repetidas na aula. Através delas vamos identificando padrões automáticos que acabam por interferir prejudicialmente num uso adequado dos mecanismos do corpo. Ao longo do período vamos introduzindo movimentos de dança trazidos de outras aulas ou de trabalhos já realizados e identificamos os mesmos padrões de uso habitual dos movimentos cotidianos. Observamos o quanto estamos presos e restritos em relação a nós mesmos. Tais padrões repetitivos, embora identificados no movimento, se originam no cérebro e só poderão ser trabalhados quando agirmos na origem, nos hábitos mentais e em como ele se manifesta. Durante as aulas podemos observar que o mais difícil para os estudantes é deixar de lado a idéia da forma certa. Este hábito aprendido desde cedo leva a uma rigidez de pensamento muito forte. Ao mesmo tempo, a falta de observação sobre si próprio, a ausência de clareza mental sobre o que se quer executar e principalmente a falta de meios adequados é o que leva o bailarino a uma série de problemas bastante comuns como tendinites, dores musculares, problemas articulares, falta de controle muscular, dificuldades respiratórias, diminuição de rendimento, confusão mental, dentre outros.

O filósofo e educador John Dewey, comentando sobre sua experiência com a Técnica Alexander, ressalta: "Cada aula leva o processo um pouco mais adiante e confirma, de forma mais profunda e convincente, as asserções feitas. À medida que se avança, abrem-se novos campos, vêem-se novas possibilidades, depois realizadas; o aluno percebe que está se desenvolvendo continuamente e dá-se conta de que está iniciado um processo de crescimento sem limites." (1992)

Ao longo do semestre deixamos claro para o aluno que ele está apenas começando um processo de pesquisa consigo mesmo. Os princípios aprendidos e praticados em sala de aula servem como guia deste processo. A Técnica Alexander é um instrumento com o qual o aluno pode refletir sobre seu uso físico e mental na dança ou em qualquer atividade na vida.

© Roberto Reveilleau


BIBLIOGRAFIA:
ALEXANDER, F. M. Constructive Conscious Control of the Individual, 1923, Ed.Gollancz, 1987.
ALEXANDER, F. M. O Uso de Si Mesmo, Ed. Martins Fontes, 1992.
ALEXANDER, F. M. A Ressurreição do Corpo, Ed. Martins Fontes, 1993.
ALEXANDER, F. M. Articles and Lectures, Ed. Mouritz, 1995.
BROWN, T. Dancing at the Edge of Balance, Entrevista publicada na ACAT, 1986.
JONES, F.P. Body Awareness in Action, Ed. Schocken Books, 1976.
HUXLEY, A. Ends and Means, The Saturday Review of Literature, 1945.
TINBERGEN, N., Ethology and Stress Diseases, Science, Vol.185-4145:28, 1974.

Fotos: Aplicações da Técnica Alexander nos dançarinos


Educação Somática como Instrumento de Aperfeiçoamento para o Bailarino

A vida do bailarino é uma repetição incessante de ensaios e aulas visando um domínio cada vez mais preciso de seu corpo. A repetição de movimentos, por várias horas seguidas, é uma prática cotidiana do profissional da dança. Problemas surgem quando, com objetivo de conseguir o controle de determinados movimentos e posturas, padrões neuromusculares inadequados de uso do corpo vão lentamente se instalando e se tornando repetitivos. Esses padrões, ao longo dos anos, tornam-se habituais e automáticos, gerando interferências nos mecanismos de coordenação de postura e movimento, criando insegurança e, conseqüentemente, aumentando a propensão a lesões.

Um exemplo disso é a perda do equilíbrio natural da cabeça em relação à coluna vertebral causado por um exagerado grau de tensão muscular no pescoço que pode afetar todo o sistema de coordenação e equilíbrio. Isso cria um estado de permanente excesso de tensão em determinados grupamentos musculares e ao mesmo tempo uma falta de tônus em outros, interferindo nos reflexos posturais, principalmente na musculatura das costas relacionada à manutenção de suporte postural (Ballard, 1995). Tal desequilíbrio leva a experiências bastante comuns na maioria das pessoas de se contrair para cima, tentando manter um padrão de enrijecimento da caixa torácica ou de se desmontar, arqueando as costas. O resultado é um exagero nas curvas naturais da coluna, uma pressão prejudicial nas vértebras e articulações, um esforço demasiado e um mau relacionamento dos braços e pernas com o tronco.

Diversas pesquisas têm identificado uma incidência enorme de bailarinos apresentando lesões relacionadas diretamente a ensaios e performances de dança, isso além das lesões reincidentes que se tornam crônicas e se manifestam periodicamente. (Richmond, 1995). Esta é uma realidade tão comum no meio da dança que se manifesta na preocupação das companhias de dança, entre bailarinos, diretores e pessoas ligadas a organização de apresentações, com a possibilidade de lesões incapacitarem provisoriamente e às vezes até permanentemente os bailarinos a ponto de não poderem cumprir com suas apresentações em andamento ou programadas (Bowling, 1989). A maior parte das lesões identificadas nas pesquisas acontece nos membros inferiores, principalmente tornozelo e pé.

Em função desse problema, existe hoje uma grande preocupação de se oferecer ao bailarino e ao estudante de dança diversas técnicas de educação somática com o intuito de lhes dar condições de criar instrumentos preventivos para os problemas de saúde, principalmente advindos pelo excesso de uso do corpo, que os acompanha durante sua atividade profissional. Prevenção como concepção de saúde e bem-estar deve ser o pensamento a ser inserido no mundo da dança. Sabe-se que apenas tratamentos localizados e remédios na hora da crise e os exercícios e aulas tradicionais de preparação e aquecimento não são o suficiente para estimular a manutenção de uma boa saúde do bailarino, no que concerne a um uso equilibrado dos padrões de coordenação e suporte do corpo. Um bom uso dos mecanismos posturais do corpo são a base da execução de uma performance talentosa sendo feita sem prejuízo para o bailarino (Ballard, 1995).

Uma visão holística, através de técnicas somáticas, pode restabelecer um maior potencial do bailarino em responder às situações de sua vida profissional com mais consciência de seus limites e de suas possibilidades. Minha experiência ensinando a Técnica Alexander para bailarinos e estudantes de dança têm demonstrado o quanto é importante o acompanhamento desse trabalho na sua prática diária. O ritmo intenso de trabalho, as exigências das apresentações, a grande quantidade de aulas necessárias para se capacitar, o pouco tempo de ensaio, a necessidade de se trabalhar em mais de uma companhia, escola ou academia, todo esse esquema a que estão expostos os bailarinos vai gerando desgaste físico e psicológico. Como professor da Técnica Alexander venho trabalhando muito com bailarinos, seja através de atendimentos individuais, com companhias ou na faculdade de dança, e tenho visto um grande benefício dessa técnica a esses profissionais e estudantes, pois ela fornece um claro entendimento sobre a organização do corpo (principalmente em movimento) e explicita essa relação, hoje tão falada mais ainda difícil de ser posta em prática, entre corpo e pensamento. Na aula, procuramos despertar a atenção sobre o momento que precede o movimento, ou seja, como corpo e pensamento se organizam para executar uma ação, pois existe uma série de reações psico-físicas entre estímulo e resposta que estão automatizadas e que podem limitar a performance do bailarino interferindo no fluxo natural do movimento. O corpo que não está livre não permite um movimento livre.

A aplicação regular deste trabalho pode criar uma nova experiência sobre o uso do corpo para que os maus hábitos sejam inibidos estimulando uma coordenação do corpo mais eficiente e menos propensa a desgastes e doenças. Uma melhor coordenação dos mecanismos neuromusculares também estimula a precisão das sensações que temos sobre postura e movimento e que, na maioria das vezes, encontra-se deteriorada pelo excesso constante de esforço muscular. A técnica cria condições para um ajuste contínuo e equilibrado do tônus muscular necessário para as sobrecargas advindas do trabalho físico, e a cada novo desafio o bailarino fará os ajustes necessários, dando condições ao seu organismo de se adaptar da melhor maneira possível a novos desafios em sua dança.

A Técnica Alexander, desenvolvida pelo ator australiano F.M. Alexander (1869-1955), é considerada como um dos trabalhos pioneiros do que hoje se denomina educação somática (Hanna, 1986). Alexander tinha a concepção do ser humano como uma unidade psicofísica, isto é, qualquer problema manifestado em uma determinada parte do corpo estava intrinsecamente relacionado a um desequilíbrio de todo o organismo (Alexander, 1992). A partir desta concepção de unidade, desenvolveu uma prática de trabalho de autoconhecimento que pode ser aplicada a qualquer pessoa em qualquer situação. Os princípios da Técnica Alexander influenciaram uma série de trabalhos terapêuticos através da idéia de integração entre mente-corpo. A Técnica vem sendo aplicada há mais de 100 anos principalmente na área de performance artística em universidades, escolas e companhias de dança, como por exemplo: Boston Conservatory Dance Division, American Dance Festival, Trisha Brown Dance Co. e English National Ballet. A bailarina e coreógrafa Trisha Brown, em uma entrevista no Center for the Performing Arts da UCLA, comenta sobre sua experiência com a Técnica Alexander enfocando sua importância para os bailarinos: "Acredito que necessitamos de uma variedade de habilidades. A Técnica Alexander auxilia a integrar cada bailarino com todos os sistemas a que ele já foi exposto".

Artigo publicado no site
www.conexaodanca.art.br

© Roberto Reveilleau




BIBLIOGRAFIA:
ALEXANDER, F. M.; Constructive Conscious Control of the Individual, Ed.Gollancz, 1923/1987.
ALEXANDER, F.M.; The Universal Constant in Living, Ed. Mouritz, 1942/2000.
ALEXANDER, F.M.; Man's Supreme Inheritance, Centerline Press, California, 1911/1988.
ALEXANDER, F.M.; O Uso de Si Mesmo, Martins Fontes, São Paulo, 1932/1992.
ALEXANDER, F.M.; A Ressurreição do Corpo, Martins Fontes, São Paulo 1993.
BALLARD, K.; The Nature and Behaviour of Postural Support System and Improvement of their Performance by a Rational Aproach - the Alexander Technique, Performing Arts Medicine News, Vol.3, N. 2, Summer 1995.
BOWLING, A., Injuries to dancers: prevalence, treatment, and perceptions of cause, BMJ, 1989.
JUHAN, D.; Job's Body: A handbook for Bodywork, Station Hill Press, 2002.
HANNA, T., What is Somatics? Somatics, 1986.
RICHMOND, P., The Alexander Technique and Dance, The Alexander Journal, 1991. -Richmond, P., the Alexander Technique and the Dancer - Preventive Care During Activity, Performing Arts Medicine News, Vol.3, N. 2, Summer 1995.
RODRIGUE, J.L.; Dancing at the Edge of Balance with the Alexander Technique, American Society for the Alexander Technique, http://amsat.ws/articles/dance.html (acesso em 26/08/2007)

Fotos: Apilcação da Técnica Alexander no curso de graduação de dança da UniverCidade, Rio de Janeiro.


Tocar um instrumento faz mal à saúde? A Técnica Alexander responde

"Viver é uma ação e, nesta ação, nós facilmente permitimos que as nossas atividades fiquem sobrecarregadas com hábitos, convenções, e todos os tipos de interferências. E na ação de viver, seja andando na rua ou aprendendo a tocar piano, você deve ter em mente que o principal gasto energético é o do suporte do peso do corpo. Se o peso do corpo não vem sendo sustentado eficientemente, começa a haver um enorme desgaste de energia, e todo o processo de viver não será eficiente..." Walter Carrington, Diretor do Constructive Teaching Centre, Londres


Por que tantos músicos instrumentistas têm problemas posturais? Independente do instrumento, de ser amador ou profissional, de ser erudito ou popular, uma grande parcela dos músicos teve ou tem problemas relacionados a posturas inadequadas. É só perguntar a um músico se ele conhece alguém com problemas físicos para observar como isso esta disseminado, como uma grande epidemia. Para resolver essa questão muitos músicos recorrem a uma série de paliativos, que não cabe aqui identificar, tentando minimizar seu problema para que possa seguir realizando suas tarefas da prática instrumental.

Na conferência internacional Health and the Musician, realizada na University of York, em março de 1997, foram divulgados os seguintes dados referentes à pesquisa realizada pela Federation Internacionale des Musiciens em 56 orquestras ao redor do mundo1:

57% dos músicos sofrem de problemas médicos que afetam seu trabalho;
20% reclamam de cansaço ou dores musculares mais de uma vez por mês;
25% têm dores mais de uma vez por semana;
55% sentem dores após tocar um instrumento;
41% tiveram a experiência de não controlar os movimentos de seus dedos;
22% dos músicos tiveram que parar de tocar no ano anterior devido a dores;
83% consideram que seu treinamento não os preparou adequadamente; a localização das dores musculares era basicamente no pescoço e nas costas.

Chegamos então a seguinte conclusão: será que tocar um instrumento faz mal a saúde? Será que a estrutura física do homem contemporâneo é tão frágil que não permite executar determinadas atividades sem conseqüências desastrosas?

No final do séc. XIX um ator e declamador australiano chamado F. M. Alexander colocou uma luz sobre esta questão. Identificou que de uma maneira geral o ser humano vai adquirindo uma série de maus hábitos posturais. Esses hábitos automatizados interferem na coordenação do corpo desde os movimentos mais simples do cotidiano, como andar, sentar, escrever, falar até os mais complexos como cantar, dançar ou tocar um instrumento. A repetição incessante de tais padrões posturais leva a uma infinidade de conseqüências nocivas a saúde tão comum nos dias de hoje. Alexander identificou que só um trabalho de reeducação psico-físico poderia reverter estes problemas.

Este trabalho se iniciou quando Alexander tornou-se um renomado ator shakespeareano na Austrália e Nova Zelândia e seus recitais tornaram-se bastante populares. Sua saúde foi piorando em função de suas constantes apresentações, problemas respiratórios e rouquidão tornaram-se uma constante. Sem sucesso com os especialistas da época, Alexander iniciou uma pesquisa para solucionar esses problemas. Percebeu que seus problemas de voz e respiração eram apenas conseqüências de um mau uso geral. Ficou evidente para Alexander que a coordenação de sua cabeça com a coluna vertebral constituía-se no principal fator para a coordenação de todo seu organismo, e que qualquer desequilíbrio nesta relação descontrolava todo a maneira de usar o seu corpo. A partir daí, desenvolveu uma prática, hoje chamada de Técnica Alexander.

Atualmente, mesmo sendo desconhecido do grande público, seu trabalho vem sendo aplicado em diferentes instituições de ensino ao redor do mundo. Está incluída nos currículos de Universidades, Escolas e Conservatórios de Música como base para uma exploração criativa, aperfeiçoamento da saúde, clareza mental, compreensão e expansão do potencial Humano.

Los Angeles Philharmonic Institute, Royal Academy of Music, Dartington College of Arts, Juilliard School, Guildhall School of Musicl, Royal Conservatory of Music em Toronto, Utrecht School for the Artse o Conservatoire National Sup. de Musique et de Danse de Paris são algumas das instituições que vem ensinado a Técnica Alexander ao longo dos anos. O Verbier Festival & Academy na Suíça e o Festival de Música de Campos do Jordão no Brasil são alguns exemplos onde a Técnica Alexander é apresentada. Yehudi Menuhin, maestro Colin Davis, Paul McCartney, Sting, e James Galway, são alguns nomes que já foram a público endossar este trabalho.

Voltando à questão dos músicos, podemos observar que tocar um instrumento ou cantar envolve a habilidade de coordenar pensamento, movimento e expressão. Muitas vezes, na tentativa de se obter um bom resultado, problemas posturais e de coordenação são subestimados permitindo que padrões de tensão muscular se estabeleçam e tornem-se habituais. Invariavelmente, os músculos do pescoço se contraem excessivamente fazendo com que a cabeça perca a sua posição natural no alto da coluna, acarretando enorme contração de alguns grupos musculares de sustentação do corpo.

A Técnica Alexander não é um paliativo que se usa depois de um ensaio ou antes de uma apresentação. É um instrumento valioso em todas as etapas de trabalho do músico. Eles aprendem a observar e a prevenir a automatização de hábitos neuro-musculares que causam tanto um empobrecimento na prática do instrumento quanto resultados nocivos à saúde. Este trabalho da Técnica Alexander com músicos vem sendo realizado desde 1996 na Universidade do Rio de Janeiro (UNI-RIO) através de Cursos de Extensão Universitária oferecidos pelo Departamento de Música em convênio com os Seminários de Música Pró-Arte. É a primeira vez no Brasil que uma faculdade de música oferece periodicamente a seus alunos aulas da Técnica Alexander.

Estes cursos têm dado condições aos estudantes de desenvolver seu treinamento musical paralelamente ao estudo da Técnica Alexander. Seguindo o período letivo da universidade, as aulas em grupo são ministradas semanalmente. O trabalho acontece de forma individualizada. Os alunos praticam com seus instrumentos passagens musicais que estejam trabalhando em seus ensaios ou onde observam dificuldades na execução, como tensão demasiada em determinadas articulações, dificuldade de movimento em alguma parte do corpo ou posturas inadequadas que levam a um incômodo geral.

É interessante observar que, quanto mais experiência os alunos têm com a Técnica Alexander, maior a capacidade de observação sobre si mesmo e consequentemente maior a capacidade de pesquisa com seus instrumentos. A cada semana os alunos trazem novas informações sobre suas dificuldades e suas observações de como preveni-las durante a execução musical. Este processo transforma radicalmente a maneira de se pensar sobre a prática musical. Os alunos tornam-se conscientes de si como primeiro instrumento de trabalho e percebem que qualquer modificação da prática só será possível através de uma modificação no seu próprio uso do corpo. Ao final do semestre, fica claro aos alunos que o curso foi apenas o ponto de partida de uma nova etapa de conhecimento, onde cada um, através dos meios praticados em sala de aula, irá experimentar em sua vida romper com os limites impostos pelos hábitos e interferências adquiridos ao longo dos anos. Os resultados são bastante positivos e os alunos consideram essa técnica de grande valia no aprendizado e performance de suas artes.

Partes do texto foram publicadas no Jornal O GLOBO, encarte do Jornal da Família do dia 27 de Junho de 2004.

© Roberto Reveilleau e Valeria Campos


1 STATnews, setembro de 97, Londres

Fotos: Aplicações da Técnica Alexander nos músicos


Técnica Alexander e Educação

"Se faz necessário educar a pessoa como um ser total se quisermos promover mudanças fundamentais." F.M. Alexander


Quando pensamos na Técnica de Alexander, o que nos ocorre, de imediato, é o alívio para o estresse, menor rigidez muscular, postura equilibrada, movimentos mais leves e bem coordenados, respiração livre, pensamento mais calmo, etc. Tais mudanças são apenas conseqüências de um trabalho que tem como base um processo educacional mais amplo que, segundo o escritor Aldous Huxley, seria concebido como "um tipo de educação totalmente nova que influencie toda a extensão das atividades humanas, desde a filosófica, passando pela intelectual, a moral e a prática, até a espiritual - uma educação que, por ensinar a crianças e adultos o uso correto de si mesmos, iria preservá-los da maioria das doenças e dos maus hábitos que os afligem hoje em dia: uma educação cujo treinamento na inibição e no controle conscientes forneceria a homens e mulheres meios psico-físicos de comportar-se racional e moralmente; uma educação que, em suas mais altas esferas, tornaria possível a experiência da realidade absoluta."(1)

Partindo desta perspectiva educativa, nós nos denominamos professores e não terapeutas, e aos que nos procuram chamamos de alunos e não clientes ou pacientes. Estabelecemos, dessa forma, o tipo de relação apropriada para o trabalho que queremos desenvolver. Nosso enfoque é na aprendizagem e não no resultado, embora saibamos que este trabalho pode ter como conseqüência uma melhora terapêutica em diferentes níveis. Os resultados obtidos através da Técnica de Alexander, portanto, não devem ser associados a um tratamento físico ou psicológico, mas sim a um processo de auto-conhecimento que se desenvolve a cada aula, a cada minuto da vida do aluno. Neste processo de educação, os princípios traçados por Alexander norteiam o trabalho-- são princípios únicos que estão sendo postos em prática há mais de 100 anos - e a atuação do professor é orientar o aluno para que aprenda a parar de repetir maus hábitos neuromusculares adquiridos, a deixar de interferir em mecanismos naturais de equilíbrio e coordenação e a se tornar responsável pelo seu processo de trabalho.

Estamos interessados em desenvolver algo novo, para o qual não fomos educados; algo que possa nos por em condições de lidar melhor com as mudanças cada vez mais rápidas do meio em que vivemos. Este algo novo somos nós mesmos, com o pensamento consciente em nossas atividades cotidianas, com o desenvolvimento da capacidade de estar presente ao mesmo tempo que estamos envolvidos em nossos afazeres diários. Somente assim podemos prevenir reações nocivas ao nosso organismo. Por isso acreditamos que a Técnica de Alexander não entra em confronto com nenhum outro tipo de trabalho de desenvolvimento do ser humano, pois estamos apenas ampliando o nosso potencial de conhecimento sobre nós mesmos e não determinando maneiras ou formas certas de executar esta ou aquela tarefa.

Este processo de educação do indivíduo, que muitos associam a técnicas e filosofias orientais, foi desenvolvido através de 9 anos de pesquisa por Frederick Matthias Alexander (1869-1955), declamador shakespeareano que, no final do século XIX, em função de suas constantes apresentações teatrais, começou a sofrer de problemas respiratórios e rouquidão. Observando que sua voz voltava a funcionar melhor quando parava de ensaiar e piorava quando retornava à sua atividade normal, Alexander iniciou uma pesquisa usando a si mesmo como objeto de observação. Pode perceber, então, que o Uso que fazia de si mesmo afetava diretamente o funcionamento geral do organismo; seus problemas de voz e respiração eram apenas conseqüências de um desequilíbrio total de seu corpo. A partir daí, desenvolveu uma prática revolucionária com base na unidade psico-física do Homem.

Neste aspecto, Alexander foi um pioneiro, desenvolvendo um trabalho em que a mente e o corpo se relacionam como uma unidade indivisível e, portanto, qualquer problema nesta unidade só pode ser solucionado através de um processo de reeducação em que a mente consciente e o corpo estejam funcionando de maneira harmônica.

Alexander, ao longo de sua vida, foi percebendo que seu trabalho teria um reflexo maior na sociedade se ensinado às crianças, que, assim, poderiam manter todo o seu organismo livre dos maus hábitos adquiridos e, conseqüentemente, dos resultados nocivos à sua saúde física e mental.

Lembrando as palavras do filósofo e educador John Dewey sobre o método desenvolvido por Alexander: "O método não é um remédio, é uma educação construtiva. Ele se aplica mais adequadamente às crianças, à geração em fase de crescimento, de modo que elas possam vir a possuir o quanto antes na vida um padrão correto de apreciação sensorial e autojulgamento. Quando uma parcela razoável de uma nova geração tornar-se adequadamente coordenada, teremos certeza, pela primeira vez, de que homens e mulheres no futuro poderão postar-se sobre seus próprios pés, dotados de um equilíbrio físico satisfatório, para enfrentar com prontidão, confiança e felicidade, ao invés de medo, confusão e descontentamento, os golpes e contingências do meio externo."2

© Roberto Reveilleau


1Huxley, A. "Busca dos Fins e Meios pelos Quais". Publicação da Associação Brasileira da Técnica Alexander, 1998
2Alexander, F. M. "Ressurreição do Corpo". Ed. Martins Fontes, 1993, pg.190

Fotos: Os mecanismos posturais estão em pleno funcionamento na criança


Técnica Alexander e Atividade Física

Nos dias de hoje a atividade física é fundamental para suprir as deficiências que a civilização nos impõe. Cada vez mais os movimentos utilizados nas tarefas diárias estão reduzidos devido aos avanços tecnológicos (telefone sem fio, controle remoto, celular) enquanto o aparente "conforto" das cadeiras, sofás e poltronas nos fazem menos capazes de suportar o peso do nosso próprio corpo. As atividades repetitivas são também outro fator de desequilíbrio do corpo, e fazem parte do nosso cotidiano. Por isso se faz premente buscar, atividades especificas que supram este déficit de movimento.

Postura, equilíbrio e coordenação

"Condições foram criadas para produzir um mau resultado, e um mau resultado vai ocorrer enquanto tais condições existirem." J. Dewey, filósofo e educador

Apesar de necessária, a prática de exercícios físicos, seja natação, ginástica, musculação ou uma simples caminhada, é ao mesmo tempo problemática já que, geralmente, não temos uma exata noção de como nossos mecanismos posturais estão funcionando. Acredita-se que movimentos mal coordenados, vícios posturais e excesso de tensão que se manifestam no cotidiano estarão presentes também durante a atividade física o que pode ocasionar ou acentuar uma série de problemas. Quando o corpo é usado sem um nível satisfatório de coordenação e equilíbrio a pratica de esportes e exercícios físicos também será afetada: o aproveitamento não será o esperado, o gasto de energia será maior que o necessário para os resultados desejados e os risco de acidentes aumentado.

A desorganização muscular se manifesta lentamente ao longo da vida, certos movimentos e posturas começam a ser automatizados e passam a ser repetidos sem a nossa atenção. Certos músculos começam a ser ativados a todo o instante, mesmo em situações onde não há uma demanda para isso, e os movimentos diários vão se tornando cada vez mais rígidos.

A atividade física apenas aprofundará estas desorganizações do corpo, já evidente nas situações cotidianas. Seria como tentar reformar e ampliar um prédio sem mexer nas fundações que estão desequilibradas. Faz-se necessário, antes de qualquer trabalho muscular, restabelecer uma harmonia nos mecanismos posturais do corpo, caso contrário os riscos de acidentes e lesões aumentarão e os benefícios do exercício físico serão menores que o desejado. É fundamental que a pessoa esteja com o equilíbrio e coordenação funcionando em todo seu potencial para que a atividade física beneficie todos os aspectos da saúde do indivíduo.

Princípios da Técnica de Alexander na Atividade Física

"Não se reconhece que o excesso de contração de certos grupos musculares associados com o uso errôneo do controle primordial exerce uma influência constante na formação de maus hábitos posturais..." F.M. Alexander

Alexander1 tinha a concepção do ser humano como uma unidade psicofísica, ou seja, qualquer problema em uma determinada parte do corpo seria conseqüência de um desequilíbrio de todo o organismo. A partir desta concepção de unidade, desenvolveu um trabalho usando certos princípios que podem ser aplicados a qualquer pessoa em qualquer situação.

Alexander observou que as crianças tem uma facilidade de se movimentar com um porte ereto e que a maioria dos adultos já não manifesta esta qualidade. Ele identificou que o equilíbrio da cabeça em relação à coluna vertebral, ao qual chamou de Controle Primordial, é um fator fundamental para uma coordenação adequada do indivíduo. A cabeça se mantém em equilíbrio dinâmico no alto da coluna vertebral apoiada na primeira vértebra cervical com o suporte de certos músculos do pescoço que regulam continuamente o ajuste da cabeça sobre o pescoço. Esta coordenação, funcionando adequadamente, ativa a musculatura responsável pelo suporte e alongamento do corpo, trazendo um melhor equilíbrio de forças em relação à gravidade, fazendo com que os reflexos posturais sejam ativados e os movimentos sejam livres e harmoniosos sem sobrecarga em determinadas partes do corpo ou grupamentos musculares.

A desorganização psicofísica do ser humano começa em função das demandas do mundo contemporâneo, onde as transformações são cada vez mais rápidas e exigem adaptações constantes sem que haja um tempo suficiente para isso e onde as respostas que o indivíduo tem que dar para os problemas e situações do dia-a-dia vão se tornando mecanizadas. Tudo isso acaba por determinar certas interferências na relação de equilíbrio da cabeça com a coluna vertebral. A repetição incessante desta interferência causa um desajuste da musculatura postural do corpo. Esta musculatura mais profunda permite ao corpo se manter com um porte ereto: não são músculos geradores de grandes movimentos mas têm uma capacidade contínua de trabalho com enorme precisão. Um exemplo são os músculos suboccipitais que equilibram a cabeça em cima do pescoço (é importante lembrar que o peso da cabeça é de aproximadamente 5kg).

O fato é que devido a esta desorganização, certas musculaturas mais superficiais que têm por função realizar determinados movimentos, como pegar um peso do chão, acabam também sendo ativadas para a sustentação e suporte do corpo. O uso contínuo dos músculos superficiais para a manutenção da postura cria uma série de distorções. Excesso de força muscular não implica em sustentação e coordenação saudáveis do corpo, é errada a idéia de que é necessário um alto esforço muscular para manter um porte ereto e que se tal esforço não for acionado, as costas "desabam".

Um outro princípio aplicado ao trabalho, fundamental para o desportista, foi chamado por Alexander de Apreciação Sensorial Imprecisa. Ele observou que a repetição constante de padrões posturais viciados leva a maioria das pessoas a ter uma percepção sinestésica2 falha sobre si próprio. Ou seja tais padrões não são apenas físicos mas também influenciam a maneira como sentimos e pensamos em relação ao corpo. A falta de precisão das sensações leva o indivíduo a usar os padrões de uso do corpo já armazenados na memória, mesmo que estes não sejam os mais adequados para as atividades exigidas. Esta falta de precisão por exemplo pode levar o indivíduo a uma percepção errada sobre o quanto de esforço muscular é necessário para se fazer uma determinada atividade física ou apenas para manter uma postura ereta.

A idéia que a maioria das pessoas tem de se corrigir ou se ajeitar quando sente que está em uma postura errada nada mais é do que repetir padrões automatizados que ao longo dos anos vão se tornando os únicos a serem utilizados. Isto demonstra que por mais que se queira deixar de repetir um determinado esforço na execução de um movimento, como braços e mãos enrijecidos na corrida ou o excesso de tensão na musculatura do pescoço nos exercícios abdominais, a tendência será sempre a de reproduzir os padrões errados já existentes. É comum nesta tentativa, mudar a aparência de determinado movimento do corpo, mas os padrões viciados do uso da musculatura continuarão sendo os mesmos, apenas mais disfarçados.

A sensação imprecisa pode pôr em risco a saúde do próprio corpo, pois, sem uma noção exata dos limites físicos e de como se utilizar o corpo para os exercícios exigidos, sobrecargas de trabalho podem levar a graves conseqüências: dores musculares, limitação de movimentos, enrijecimento do pescoço, perda de rendimento, lesões nas articulações, falta de controle muscular, dificuldades respiratórias, desgaste dos discos intervertebrais, tendinites entre outros.

Benefícios da Técnica de Alexander

A Técnica Alexander nos faz entender como os hábitos corporais estão intrinsecamente relacionados aos hábitos de pensamento, e por repetir tais hábitos por toda a vida, a percepção do que realmente acontece quando uma ação está sendo executada fica imprecisa. Assim, só um trabalho contínuo de reeducação integrando os aspectos físicos e a percepção que se tem do próprio corpo, leva o indivíduo a identificar e a desfazer quando necessário os padrões de uso dos músculos, articulações, gestos e posturas. As aulas regulares da Técnica Alexander criam uma nova memória sobre o uso do corpo para que os antigos maus hábitos possam ser substituídos por um uso mais eficiente e menos propenso a desgastes e doenças. Isso também estimula a recuperar a precisão das sensações que temos sobre a postura e movimento, criando condições para um ajuste contínuo e equilibrado do tônus muscular necessário para as sobrecargas advindas do trabalho físico. A cada novo desafio, o esportista fará os ajustes necessários, dando condições ao seu organismo de se adaptar da melhor maneira possível a nova atividade. Com economia e precisão da atividade neuromuscular, o desportista pode alcançar um melhor desempenho em sua performance física.

O diretor do American Physical Fitness Research Institute Edward Maisel, comentando sobre os benefícios da Técnica Alexander, ressalta: "Ocorre uma flexibilidade geral e um alívio tônico do movimento, maior liberdade na ação dos olhos, menos tensão nos maxilares, mais relaxamento na língua e na garganta, e uma respiração mais profunda como efeito do novo alinhamento do diafragma. Ocorre ainda uma sensação de leveza e uma diminuição do esforço anteriormente considerado necessário para mexer os membros. A atividade agora é mais livre e fluida - deixa de ser abrupta e pesada devido à tensão."

© Roberto Reveilleau


1 Frederick Mathias Alexander (1869-1955), foi um ator e declamador Shakespereano que em sua juventude começou a sofrer dificuldades respiratórias e rouquidão durante as suas apresentações. Através de um processo de auto-observação ele identifica que seus problemas de voz e respiração eram apenas conseqüências de um desequilíbrio total de seu corpo. A partir daí, desenvolve uma prática de trabalho com base na unidade entre mente e corpo, hoje chamada Técnica Alexander.
2 Sinestesia é o sentido pelo qual se percebe os movimentos musculares, o peso e a posição do corpo no espaço

BIBLIOGRAFIA:
DEWEY J., in: Rickover R. The Complete Guide to the Alexander Technique, www.alexandertechnique.com
ALEXANDER F.M., The Universal Constant in Living, Ed. Mouritz, 2000.
CALAIS-GERMAIN B., Anatomia para o Movimento, Ed. Manole, 2002.
MAISEL E., The Alexander Technique: The Essential Writings of F. Matthias Alexander, Carol Publishing Group, 1989.
LEDERMAN E., Fundamentos da Terapia Manual, Ed. Manole, 2001


Hábitos e mudanças posturais através da Técnica Alexander

Não há como negar a forte influência dos hábitos em nossas vidas, em nossos movimentos e no uso do nosso corpo. Ao longo dos anos, vamos memorizando determinadas maneiras de usar o corpo que começam a se repetir automaticamente e, assim, acabamos regidos por hábitos em quase tudo o que fazemos.

Se pegarmos como exemplo o hábito de dirigir um carro, percebemos que no início do processo executamos os movimentos dos pedais com uma certa dificuldade, pois temos que pensar com muita atenção em como regular o uso dos pés e ao mesmo tempo manter a atenção ao que está acontecendo ao nosso redor. Com o tempo, esta experiência vai sendo armazenada na memória e passamos a não precisar mais pensar em todo este processo. Dizemos então que a maneira que foi gravada pelo cérebro é "a nossa maneira" de dirigir um carro. Se essa maneira habitual desenvolvida para dirigir um carro estiver criando algum tipo de problema, deteriorando nosso desempenho, não temos mais como agir pois todo esse processo parece agora fora do nosso controle. Tendemos a achar que "é assim mesmo", "não tem jeito". A mudança passa a ser algo que está além da nossa responsabilidade.

De uma maneira geral hábitos posturais e de movimento são reproduções de experiências adquiridas desde criança. Vamos assimilando todo tipo de experiências, boas e ruins, através da postura habitual dos pais ou de comentários de professores, de uma imagem na televisão ou em uma revista, e estas experiências vão sendo traduzidas pelo corpo através de posturas e movimentos e se tornando automáticas. Mas muitas destas posturas e movimentos tendem a criar excesso de contração muscular em determinadas partes do corpo, limitação de movimentos em certas articulações e compressão na coluna vertebral trazendo conseqüências diretas: dores musculares, cansaço constante, falta de vitalidade, dificuldades respiratórias, sensação de peso, entre outras.

Este processo de educação do indivíduo, que muitos associam a técnicas e filosofias orientais, foi desenvolvido através de 9 anos de pesquisa por Frederick Matthias Alexander (1869-1955), declamador shakespeareano que, no final do século XIX, em função de suas constantes apresentações teatrais, começou a sofrer de problemas respiratórios e rouquidão. Observando que sua voz voltava a funcionar melhor quando parava de ensaiar e piorava quando retornava à sua atividade normal, Alexander iniciou uma pesquisa usando a si mesmo como objeto de observação. Pode perceber, então, que o Uso que fazia de si mesmo afetava diretamente o funcionamento geral do organismo; seus problemas de voz e respiração eram apenas conseqüências de um desequilíbrio total de seu corpo. A partir daí, desenvolveu uma prática revolucionária com base na unidade psico-física do Homem.

Quando acreditamos que podemos mudar uma postura inadequada, como, por exemplo, as costas curvadas ao ficarmos sentados em uma cadeira, e decidimos nos posicionar numa forma ereta que achamos ser a "certa", sabemos que esta nova postura não resiste por muito tempo. Isso porque a memória adquirida ao longo dos anos da forma de sentar inadequada vai se manifestando e, em poucos minutos, estamos de volta ao padrão postural antigo. Os padrões neuromusculares armazenados são ativados nessa hora e determinam a maneira de sentar. Ou seja, qualquer tentativa de mudança direta, apenas sobre a aparência física de uma postura ou movimento não será efetiva, porque posturas e movimentos repetitivos e automatizados estão relacionados com uma determinada maneira de pensar.

O processo de reeducação psicofísico chamando Técnica Alexander joga uma luz sobre esta questão. Esta técnica foi desenvolvida no final do século XIX por Frederick Matthias Alexander (1869-1955). Alexander, um ator australiano renomado, que desenvolveu problemas de voz e respiração em função de suas constantes apresentações teatrais. Após ficar impossibilitado de trabalhar e sem respostas concretas da medicina sobre seu problema, Alexander começou a observar a sua maneira de usar seu corpo, percebendo que vícios posturais e de movimento exerciam uma influência negativa sobre sua saúde geral, embora suas conseqüências imediatas fossem sobre sua voz e respiração.

Na tentativa de resolver seus padrões posturais incorretos, o ator verificou que apenas uma mudança externa de posição corporal não era suficiente para exercer qualquer influência positiva sobre o uso de sua voz e respiração. Era preciso envolver todo o "organismo psicofísico". Sua maneira viciada de usar a si próprio era o principal fator da repetição de padrões incorretos de postura e movimento. Alexander desenvolveu seu trabalho sobre estas idéias, criando assim uma experiência prática que ensinava ao indivíduo a possibilidade de poder desfazer seus padrões habituais automáticos, tanto físicos quanto mentais, que estão na raiz de vários problemas relacionados à saúde.

As aulas da Técnica Alexander desenvolvem habilidades para empreendermos um processo de mudança de hábitos. Aprende-se a identificar os padrões automáticos de postura e movimento através de uma dinâmica de movimentos simples do cotidiano como andar, falar, sentar ou levantar de uma cadeira. Estes padrões foram sendo adquiridos ao longo da vida e, a partir da constatação de que estes hábitos estão interferindo e prejudicando a coordenação e equilíbrio, aprende-se a reajustá-los conscientemente. Estamos sempre repetindo não só fisicamente determinadas ações mas também repetindo determinados pensamentos. Alexander defende a idéia de que hábitos mecânicos corporais são a imediata conseqüência dos hábitos mecânicos de pensamento, em que a maioria das pessoas cai facilmente. A partir do momento em que se tem a experiência, advinda das aulas práticas, de que agimos de determinadas maneiras porque pensamos de determinadas maneiras, temos a compreensão sobre os nossos limites e também a perspectiva de poder mudá-los.

Um aspecto que o trabalho com a técnica introduz é a responsabilidade de poder agir para solucionar problemas de vícios posturais e de movimento. É muito comum acreditar que as respostas para certas questões relacionadas ao próprio corpo estejam fora de nosso alcance, como se a identificação e resolução de problemas relacionados a posturas e movimentos inadequados fosse conseqüência apenas de questões como vida agitada, estresse, mobiliário inadequado, excesso de trabalho, idade avançada, limites físicos, etc. Estas idéias nos fazem acreditar que a solução está apenas em uma questão externa. Que tudo vai se resolver quando mudar de emprego, ter a vida menos agitada, um mobiliário melhor e assim por diante. Padrões de postura e movimento foram sendo cultivados por nós desde a infância e nós temos condições de transformá-los através de uma reeducação a partir do momento que estes padrões não sejam mais necessários ou estejam causando prejuízo para a saúde. A idéia de ser responsável pelo modo de usar o corpo é um dos objetivos do trabalho, pois a Técnica Alexander propõe que qualquer mudança só começará com esta tomada de decisão. Temos condições de ativar o melhor potencial de organização do corpo, independente do limite físico e do ambiente ao nosso redor.

Em suma, a possibilidade de mudança de padrões habituais do corpo, se vista de uma perspectiva de integração entre o físico e o mental, pode ser implementada através dos princípios de reeducação da Técnica Alexander. A mudança na maneira de pensar sobre o corpo e como este reage frente às situações do cotidiano abre perspectivas novas: o entendimento do porquê de uma série de problemas relacionados a posturas e movimentos inadequados e um caminho para transformá-los. Este processo de educação estimula um melhor desempenho das tarefas diárias através de um ajuste contínuo, identificando padrões ineficientes e prejudiciais de uso do corpo e estimulando um novo padrão mais adequado de uso prevenindo assim a deteriorização da coordenação e equilíbrio do corpo.

Palestra proferida no II Congresso de Engenharia do Entretenimento, no Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, em 21/09/2006

© Roberto Reveilleau


BIBLIOGRAFIA

ALEXANDER, F.M.; The Universal Constant in Living, Ed. Mouritz, 1941/2000.
ALEXANDER, F.M.; Man's Supreme Inheritance, Centerline Press, California, 1910/1988.
ALEXANDER, F.M.; O Uso de Si Mesmo, Martins Fontes, São Paulo, 1992.
ALEXANDER, F. M.; Constructive Conscious Control of the Individual, Ed.Gollancz, 1923/1987.
ALEXANDER, F. M. Articles and Lectures, Ed. Mouritz, London, 1995.
ALEXANDER, F.M.; A Ressurreição do Corpo, Martins Fontes, São Paulo, 1993


Canto e postura

"Você não pode separar o uso de sua voz do resto de você mesmo. O impulso de comunicar vocalmente vem do uso de todo o organismo, não apenas dos órgãos vocais. E toda vez que seu uso mecânico é afetado, é também sua voz, que é a expressão de você mesmo..." Michael McCallion - The Voice Book


Minha experiência de mais de 14 anos ensinando a Técnica Alexander para estudantes e profissionais de música têm demonstrado o quanto é fundamental para o desenvolvimento musical desses alunos o aprimoramento da coordenação e equilíbrio do corpo. Observo que instrumentistas e cantores apresentam uma série de problemas relacionados a padrões ineficientes de postura e movimento, ou seja, maus hábitos de uso do corpo afetando diretamente a performance musical.

Reaprender a usar o corpo com mais eficiência não só ajuda a prevenir uma série de problemas físicos típicos dessa profissão como também traz um ajuste melhor da postura e do movimento, ampliando o potencial artístico e dando condições de, sem os excessos de esforço muscular habituais, obter uma melhor performance musical.

Postura

A postura é algo dinâmico e não pode ficar restrita a uma determinada atividade, quando na verdade está presente em todas as ações do dia-a-dia. Não é possível de se obter uma postura bem equilibrada nem um movimento bem coordenado na hora de tocar um instrumento ou cantar se isso não faz parte do universo cotidiano do indivíduo. Se a maneira de usar o corpo através de gestos, posturas e movimentos ao se trabalhar num computador, ao andar, ao sentar e ao se levantar de uma cadeira está carregada de padrões inadequados de uso do corpo, então esta será a maneira do artista usar a si próprio em ensaios e apresentações.

No caso especifico do cantor, observo uma grande preocupação com a busca de uma postura adequada na hora de cantar. Embora essa busca de uma atitude física eficiente para um bom desempenho do canto seja uma meta pertinente, os meios empregados para isso tendem a ser equivocados. É muito comum uma abordagem direta através de ações corretivas onde uma imagem pré-determinada de “postura certa” é imposta a um corpo que é único, com características próprias e que não se encaixa em um padrão estereotipado. Nesta tentativa, uma série de contrações musculares será ativada criando desajustes desnecessários. Esse excesso de esforço muscular impedirá um movimento livre e bem coordenado e, conseqüentemente, afetará a capacidade respiratória e a produção da voz.

Hábito

Ao longo da vida é comum adquirirmos uma série de padrões de uso do corpo que lentamente vão sendo automatizados e passam a ser ativados a todo instante. De tanto repeti-los, memorizamos esses padrões, que passam a fazer parte do nosso vocabulário de ações. Terminamos por nos sentir confortáveis nesses padrões, mesmo que eles interfiram em nosso equilíbrio e coordenação. Identificamos essa situação como “minha” maneira de ser, “minha” identidade e justificamos as conseqüências limitantes desses padrões com frases como “eu sou muito tenso”, “eu tenho um trabalho estressante”, “minha vida é muito agitada” ou “é por causa da minha idade”.

A questão é que a repetição de padrões viciados de uso do corpo faz com que se perca a capacidade de perceber o quanto essa interferência é prejudicial aos mecanismos posturais que, carregados de excesso de tensão muscular, produzem como resultado um mau funcionamento do organismo. Entre as disfunções mais comuns podemos citar o enrijecimento e as dores musculares, problemas articulares, costas arqueadas, limitação de movimento nos braços e pernas, falta de controle muscular, dificuldades respiratórias, diminuição de rendimento, confusão mental e nervosismo excessivo antes de apresentações.

Em se falando de profissionais da área de canto, o esforço empregado para superar as desorganizações do corpo pode limitar muito o potencial de performance ou, mesmo que não influencie diretamente a performance musical, esse esforço (traduzido em excessiva contração muscular) vai trazer desgastes que podem até interromper provisoriamente uma carreira.

Reeducação

Tratamentos específicos, embora benéficos, não resolvem a questão pois não trabalham com a mudança de padrões habituais de uso do corpo. Sem envolver uma ação consciente por parte do aluno em um processo de aprendizagem, qualquer tentativa de mudança real será frustrada pois os padrões de mau uso do corpo memorizados serão sempre ativados, como um gatilho que é acionado toda vez que houver uma maior exigência física ou emocional, como em uma passagem musical difícil ou em uma apresentação importante.

É fundamental uma reeducação neuromuscular onde padrões inadequados de postura e movimento possam ser substituídos por padrões mais eficientes, através da estimulação dos mecanismos naturais de organização do corpo.

Alexander e voz

É interessante notar que o criador desta técnica de reeducação neuromuscular, Frederick Mathias Alexander (1869-1955), era um declamador de Shakespeare, forma de atividade artística muito popular no final do séc. XIX. Quando Alexander teve problemas relacionados a sua voz e respiração durante suas performances, ele identificou detalhadamente certos padrões de desorganização do corpo e, trabalhando em si próprio e mais tarde ensinando a outros, desenvolveu os princípios da Técnica usados até hoje. Através de uma ação indireta, observou que se conseguisse desativar os excessos de contração da musculatura posterior do pescoço, a cabeça tenderia a se equilibrar mais livremente em relação a primeira vértebra cervical, estimulando assim o alongamento da coluna vertebral e fazendo com que a musculatura posterior do tronco, que tem papel fundamental no suporte do corpo, trabalhasse com mais eficiência, trazendo expansão e coordenação do corpo e diminuindo o uso excessivo da musculatura dos braços e das pernas, hábito muito comum entre cantores. Sem compressão, enrijecimento ou encolhimento do tronco, a respiração e a voz funcionavam com um melhor potencial, e com mais liberdade de escolha na difícil tarefa de envolver voz, respiração, corpo e expressão em sua performance.

A Técnica Alexander não tenta fazer algo novo, e sim dar a oportunidade de parar de se repetir certos hábitos. Ela não é uma técnica vocal e nem exclui a necessidade de treinamento específico para o cantor, mas o trabalho promove o aprendizado de um uso mais eficiente dos mecanismos posturais, permitindo que a voz seja expressão de toda a sua integridade e organização e não resultado de tensão e  desequilíbrio.

Ele propõe uma mudança de pensamento quanto a possibilidade de aperfeiçoar a postura através de uma melhora na condição do uso do organismo. A capacidade do aluno de tomar a responsabilidade da mudança para si próprio é parte fundamental deste processo.

Como resume Joyce Warrack professora de canto da Royal College of Music, a primeira escola de música a oferecer ainda nos anos de 1950 a Técnica Alexander: “Reeducação vai efetivamente requerer paciência e tempo (embora a formação de um cantor através de qualquer método é um processo moroso), mas serão recompensados com a resultante facilidade e comando de seus nervos assim como a flexibilidade e qualidade da voz através do máximo de resultado com o mínimo esforço físico".

© Roberto Reveilleau


REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
McCallion, M; The Voice Book, Inglaterra, 1992
Warrack, J.; The Indirect Approach to Singing, In Barlow W. (ed.), More Talk of Alexander, Mouritz, Inglaterra, 2005.


A Técnica Alexander na UNIRIO

Como Tudo Começou

Em 1994, uma professora de canto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO, que já conhecia o trabalho, me convidou para dar aulas de Técnica Alexander (TA) no Centro de Letras e Artes através dos cursos de extensão universitária. Embora o Centro de Letras e Artes seja responsável tanto pelos cursos de Teatro e Música, na prática foi o Departamento de Música, conhecido como Instituto Villa-Lobos junto com os Seminários de Música Pró-Arte que organizavam tudo para o curso de TA.

A frequência das aulas era de uma vez por semana durante um semestre, acompanhando o período letivo da universidade. Tínhamos aproximadamente 15 aulas por semestre, com duração de 1 hora e 40 minutos cada aula. Alguns alunos participavam por mais de um semestre. Era um curso praticamente gratuito para os alunos da faculdade, e não dependia de outros cursos ou disciplinas da grade curricular.

Chegamos a oferecer três turmas de TA por semestre dentro do curso de música. Havia um máximo de 12 alunos por turma. A maioria dos inscritos era de alunos do curso de música. Aproximadamente menos de um terço dos participantes era de fora da Universidade, o curso também era aberto ao público externo.

Ensinando Alexander para os Músicos

Até aquele momento eu não tinha muita experiencia em ensinar a TA para músicos. Com o tempo comecei a perceber o quão dolorosa pode ser a vida de um músico. Não apenas a pressão de tocar bem na performance musical, mas também os incômodos em relação ao seu próprio corpo. A maioria dos músicos desenvolve maus hábitos e as consequências disso são dores, desconfortos, tendinites, problemas respiratórios, limitações de movimento, etc. E a nível emocional medo, ansiedade e fadiga mental. E ninguém fala sobre isso em público, pois acreditam que isso é uma deficiência pessoal e não um problema disseminado pela maioria dos profissionais da área. É por isso que a TA tem tanto valor em uma instituição de ensino de música. É uma ferramenta para ajudar a lidar com todos essa questão.

Não ser músico acabava sendo uma vantagem para mim, não tinha como julgar ou comparar a forma de tocar/cantar dos estudantes. Eles sabiam que eu não estava lá para falar sobre suas habilidades ou limites musicais, mas para colocá-los em contato com o que estava acontecendo com eles (corpo e mente) enquanto tocavam/cantavam.

Eles chegavam no início do semestre querendo resolver seus problemas físicos na hora de tocar ou cantar. Eles se surpreendiam quando eu dizia que seus problemas não eram apenas relacionados com a música, mas também quando se usavam em todas as atividades do cotidiano. O ato de tocar/cantar é apenas o nível máximo de desorganização e normalmente é aonde eles observam que algo não está funcionando bem. É por isso que no início do semestre fazíamos atividades que não tinham relação direta com tocar um instrumento ou cantar, era para observar como os padrões de desorganização do corpo se repetem em todas as atividades do dia.

Uma reclamação que sempre estava presente nos alunos, a da crença geral de que seu instrumento é o pior em termos de dificuldade de tocar. Todos os músicos, independentemente do instrumento que tocam, costumam dizer que têm problemas físicos porque tocam o instrumento mais difícil, que exige mais do corpo. E isso vai da flauta ao piano, do violoncelo à bateria.

Sempre fiquei surpreso com as reações automáticas de contração muscular excessiva quando os alunos começavam a praticar com os instrumentos/canto por volta do meio do semestre. Havia uma idea pré concebida de que não é possível tocar o instrumento/cantar mantendo a consciência e a conexão com o corpo.

Lembro-me de que na primeira aula de um semestre pedi a um aluno que havia frequentado o semestre anterior para contar aos novos alunos sobre sua experiência. Ele teve tendinite no pulso e por um tempo pensou em parar de tocar na orquestra. Fiquei surpreso quando ele disse que, desde que começou a aprender a TA, não conseguia mais se esquecer de si mesmo enquanto estava tocando. Claro que nenhum dos novos alunos entendeu o que ele estava dizendo. É bastante comum os músicos se desconectarem de si mesmos quando estão tocando. Estar presente no momento não é uma coisa fácil.

A ideia de trabalhar em grupos pode ser muito interessante para artistas performáticos. Nas últimas aulas do semestre os alunos tocavam ou cantavam, usando os princípios do trabalho da TA, para o resto do grupo e o grupo era estimulado a dar um feedback ao intérprete sobre como estavam se portando enquanto tocavam/cantavam. Isso acontecia em um ambiente muito seguro, livre de crítica ou julgamento. A ideia era ter liberdade para se expor e receber feedback sobre o que estava acontecendo e como eles poderiam melhorar seu padrão neuromuscular. Essa experiência também era muito importante para os outros alunos que estavam assistindo, porque eles podiam ver em outra pessoa um problema ou dificuldade semelhante a que eles próprios tinham.

A Experiência de Levar a Técnica Alexander para a Universidade

Em primeiro lugar, foi muito enriquecedor poder ensinar a TA regularmente em uma universidade pública. Até aquele momento isso nunca havia acontecido no Brasil. Foi um grande aprendizado poder ensinar esse trabalho para os estudantes de música durante esse período (de 1995 a 2007). Adquiri muita experiência com o trabalho em grupo, oferecendo uma boa experiência prática de TA aos alunos, de um modo geral é mais comum ensinar a TA através de aulas individuais.

No início quase não havia ninguém matriculado no curso, pois a TA não era muito conhecida, mas com o passar dos anos as turmas foram lotando sem nenhuma propaganda, apenas no boca a boca. Naquela época, a maioria dos alunos, mesmo não tendo tempo para fazer o curso, sabia que a TA era oferecido na UNIRIO e tinha intenção de se inscrever quando possível, mesmo alunos de outros cursos da Universidade.

Vários professores de música da Universidade se interessaram pelo trabalho, alguns tiveram aulas individuais e também fui convidado por alguns deles para dar palestras sobre TA em suas aulas. Isso continuou mesmo após o término do curso de extensão.

Tive a oportunidade de trabalhar com alunos que moravam em regiões distantes e que tinham muitas dificuldades financeiras, eles nunca teriam acesso a TA se não tivesse sido oferecido na faculdade.

Com o passar dos anos, comecei a convidar outros professores da TA aqui do Rio de Janeiro para me ajudar nas aulas, era uma boa oportunidade para os professores terem experiência nessa área.

Até hoje recebo alunos da área da música, muitos ainda tem a lembrança de quando a TA era oferecida na UNIRIO. Hoje no Rio de Janeiro esse trabalho é muito conhecida no meio musical

© Roberto Reveilleau


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